Para o biénio de 2011-12, o Teatro do Vestido estabeleceu como tema geral o Activismo, ou o acto de agir sobre a realidade para a transformar. Consciente do momento crucial que o país atravessa, apelidado pela generalidade das pessoas como “crise”, o Teatro do Vestido, não querendo negar a realidade dos factos nem utilizar estratégias escapistas, prefere não obstante, ater-se no caracter chinês para “crise” que é “oportunidade”. Por isso chamamos a este momento um momento crucial. Empenhados que estamos em construir um teatro que activamente fale sobre a realidade, à realidade, um teatro dito político naquilo que enuncia como seus vectores de pesquisa – uma relação activa com a realidade do presente e as suas perplexidades e múltiplas perspectivas – desenvolveremos ao longo dos próximos dois anos uma programação consonante com estes pressupostos, e que aposta mais do que nunca numa formação consistente de públicos, através de um serviço educativo directamente relacionado com cada uma das criações, bem como de acções complementares de partilha dos nossos processos de trabalho. Estamos também empenhados numa maior abertura à nossa comunidade envolvente, nomeadamente com a existência do espaço físico da companhia, que se situa no Cais do Sodré.
É nossa convicção de que este é o tempo certo. Certo no sentido em que é o tempo em que vivemos e o tempo em que vivemos é sempre o certo: para alcançar qualquer coisa, para transformar qualquer coisa. Porque acreditamos que os valores do humanismo se devem impor aos do capital e das trocas meramente monetárias. Porque acreditamos neste tempo (como já dissemos), neste mundo, e no nosso papel nele. Porque acreditamos no teatro e no contributo disso. Porque não consideramos que o que fazemos é supérfluo. Porque não acreditamos no discurso que pretende julgar o que é ou não é teatro, o discurso da ausência de dramaturgia em Portugal, o discurso dos subsídio-dependentes, o discurso absurdo de quem não faz a mínima ideia do que fazemos realmente todos os dias e alimenta fantasias (porque são fantasias) do tempo em que os artistas viviam em águas-furtadas num bairro do centro de Paris e morriam de tuberculose (o que de si era também já então uma fantasia). Porque, enfim, nós ainda estamos vivos, estamos aqui, a fazer coisas, ainda a fazer coisas.
Mais do que numa rede económica – a cujos limites e falências todos estamos a assistir e a experienciar – propomos aqui a criação de uma rede essencialmente solidária. E é enquanto companhia de teatro que o fazemos, pois esse é o contributo que podemos prestar à comunidade – um contributo que deriva directamente daquilo que somos e que fazemos.
«…Até poderíamos sonhar com uma comunidade de sonhadores que se juntassem para sonhar o que vem aí.» (John D. Caputo)
Projectos 1º semestre 2012:
Tropeçar: (Digressão) Centro Cultural de Cascais, Teatro Viriato, Centro Cultural de Vila Flor, Espaço do Tempo
(espectáculo encomendado e co-produzido pelo CCB/Fábrica das Artes)
Em Tropeçar misturamos as nossas memórias com as apropriações que fomos fazendo das crianças que observámos, recuperamos perguntas que ainda hoje nos inquietam sem tentarmos dar-lhes resposta (ainda), falamos de jantares de natal, de viagens de carro, de quando mudamos de pele (e dói um pouco), do absurdo de algumas histórias que nos contavam, de quando pensávamos ser invencíveis e da descoberta de não o sermos, de acidentes e percalços, de dificuldades, da parede que se atravessa à nossa frente quando menos esperamos, e da coragem de finalmente a atravessar.
Tropeçar pretende ser mais sobre aquilo que as crianças nos dizem e menos sobre o que nós lhes dizemos a elas.
Zona de Acolhimento
abrir a nossa casa para acolher os sem casa que quiserem fazer do nosso espaço o espaço de apresentação dos seus projectos. Zona de Acolhimento é um projecto semanal (em semanas pré definidas ao longo do ano) e cuja curadoria está a cargo da equipa TdV. Convidamos todos a construir esta comunidade de ideias, partilha, projectos.
Zona da Comunidade
Dias específicos em que o TdV abre o seu espaço à comunidade envolvente – do Cais do Sodré – pretendendo estimular relações de proximidade prolíferas e em que a companhia desempenhe um papel proactivo e positivo na zona em que está inserida. Neste dia, convidamos a comunidade envolvente a expressar-se no nosso espaço, a falar dos seus produtos, dos seus trabalhos, das suas questões – uma comunidade que se vá tornando menos estranha e mais empenhada e partilhada. Numa zona da cidade em rápida transformação e alguma descaracterização, esta Zona pretende registar e relembrar o que já vai passando, bem como o que se vai instalando e que é, também, comunidade.
Esta é a Minha Cidade e Eu Quero Viver Nela – Edição Porto
Originalmente concebido como um projecto de colaboração para intervir sobre espaços de Lisboa, onde o Teatro do Vestido está sedeado, o projecto Esta é a Minha Cidade e eu Quero Viver Nela já contou com três edições, em espaços tão diversos quanto o Largo de Santo Antoninho, o nº 49 da Rua da Barroca (espaço da ZDB), e o Internacional Design Hotel. Em cada uma das edições, um membro do Teatro do Vestido convidou um criador exterior à companhia e, num espaço de duas semanas intensivas, o trabalho foi criado a partir de um lugar, de um tema ou de uma questão suscitada pela cidade.
Para a edição do Porto, e contando com a co-produção do Teatro Nacional de São João, o Teatro do Vestido propôs-se descobrir uma cidade que lhe é, de certa forma, estrangeira, pelos olhos dos que a ela pertencem, ou pertenceram, ou se encontram no processo de vir a pertencer. Conduzidos pelos olhos deles, as memórias deles, as perguntas deles, lançamo-nos como cegos numa cidade nova para podermos vir a desejar viver nela também.
Esta é a minha cidade e eu quero viver nela (edição especial Porto) é uma colaboração entre a equipa do Teatro do Vestido e criadores oriundos da cidade do Porto ou que nela habitam.
Monstro – Projecto de criação a partir da ideia de “Calamidade”
De onde vem este título?
De uma carta que um de nós escreveu a outro, era uma espécie de carta sobre o estado da nação (do mundo?), como se o outro fosse um alienígena ou assim, como se o outro andasse de abalada mas nem sequer no estrangeiro, noutro planeta. E dizia assim:
“CALAMIDADE É O NOME DADO A ESTE MONSTRO que mata o desejo e a possibilidade de conseguir construir
CALAMIDADE É O FIM DO COMBATE DOS COWBOYS CONTRA OS FEDERAIS EM QUE OS FEDERAIS DIZEM O SEGUINTE AO OUVIDO DO PRESIDENTE:
– Senhor Presidente, já não há cowboys, as suas carcaças estão estendidas ao longo das avenidas, estradas e vias públicas. Os pássaros alimentam-se assim há duas semanas.
– O preço das rações desceu, senhor presidente, mas não façamos disso grande alarido.
– Já podemos arrumar o país, senhor, a um canto, depois tratamos dele quando tivermos tempo e for a altura certa, a altura certa senhor.
CALAMIDADE será não apenas os abusos de poder, as violações dos direitos e dos corpos humanos mas também o começo da coisa má humana, o desistir perante o poder pequeno, desistir perante o grande poder, o roubo da vontade e a cedência da mesma por questões hierárquicas e medo do nunca-melhor
CALAMIDADE é a observação não-participante na comédia divina
LOGO TÂNIA, O NOME DISTO QUE ANDAMOS A VIVER NÃO É OUTRO, É CALAMIDADE
a destruição do valor humano em todas as suas intensidades diferentes, do poucochinho à saturação total.”
E ficou Monstro. Porque queremos reflectir neste trabalho acerca daquilo que nos come por dentro e às coisas à nossa volta, e que queremos que pare, que pare, que pare.
Convidámos Maurício Paroni de Castro, encenador brasileiro, de ascendência italiana, residente em São Paulo, mas com vasto trabalho realizado na Europa, para criar connosco este objecto cefalópode, que terá carreira em São Paulo e em Lisboa.
Trabalhando a partir de uma metodologia que apelidou de “deriva” e da qual o Teatro do Vestido já em 2003 se apropriou e adaptou como parte do seu modus operandi de construção criativa, Maurício Paroni de Castro descreve a sua forma de trabalhar com as seguintes palavras: “O exercício da Deriva foi criado para trabalharmos praticamente com o conceito de cartografia emocional. O exercício é, na prática, criar situações reais, em locais públicos, nas quais o ator realiza um deslocamento a partir de premissas previamente determinadas e com um tempo de duração também estipulado. O exercício gera um fluxo de ações que é determinado pelo percurso feito. Ao termino, são feitas as considerações e reflexões acerca do mesmo, para compreender e contextualizar a trajetória emocional. Esse exercício foi o ponto fundamental desta pesquisa, onde os atores são o suporte da dramaturgia, e não o contrário, como costuma-se fazer tradicionalmente. Os ganhos dessa inversão de percurso são de vários níveis: conceitual, criativo e interpretativo.” A “deriva” será, portanto, a base metodológica da construção de Monstro, e existe à partida um grande entendimento artístico entre o Teatro do Vestido e o encenador. Para este projecto estamos também a tentar viabilizar a participação de Janine Rosati, actriz que integra a companhia Manufactura Suspeita, de Paroni de Castro, e Sérgio Romano, actor e criador italiano, que trabalhou durante um largo período de tempo com Paroni de Castro.
Direcção: Maurício Paroni de Castro.
Co-criação/ Interpretação: Joana Craveiro, Tânia Guerreiro
Espaço Cénico, Imagens, Ruído: Gonçalo Alegria
Colaboração: Sérgio Romano, Janine Rosati.
O projecto será criado de raiz em São Paulo, onde terá o seu primeiro conjunto de apresentações, e terá posteriormente a segunda fase do projecto em Outubro/Novembro de 2012 em Lisboa. Este é um projecto pensado para espaços não convencionais da cidade, decorrendo em avenidas, becos, jardins e entradas de prédios de determinadas zonas de São Paulo. Será também utilizado o espaço de um antigo clube de boxe.
Manifesto-me #2
A premissa deste projecto é a mesma que assistiu a Esta é a Minha Cidade e eu Quero Viver Nela: um elemento da companhia convida um criador exterior para colaborar durante duas semanas, e o resultado é uma criação efémera que documenta esse encontro e, no caso específico deste projecto, a reflexão e manifestação activa sobre algo que se tenha muita urgência de dizer hoje, aqui onde estamos.
É condição obrigatória que as apresentações tenham lugar em espaços diversificados e não-convencionais da cidade. Ainda há uma relação com a cidade neste projecto, apesar de a palavra “cidade” ter desaparecido do título.
Como objecto integrante da criação, far-se-á uma publicação, cuja forma, formato, extensão dependerá do encontro entre os dois criadores e da dinâmica de manifestações que forem criadas.
A primeira edição deste projecto decorreu em Dezembro de 2011: Tânia Guerreiro convidou Maria Gil e juntas criaram “Rua da Esperança.”
Em 2012 as 4 edições de “Manifesto-me” serão apresentadas no CITEMOR, Festival de Teatro de Montemor o Novo.