Lugar Nenhum

Residência Criativa CAPa [Centro de Artes Performativas do Algarve], em Faro | Julho de 2002
Estreia CAPa [Centro de Artes Performativas do Algarve], em Faro | Agosto de 2002
Residência Criativa CENTA [Centro de Estudo de Novas Tendências Artísticas], Vila Velha de Ródão |Outubro de 2002
Estreia CENTA [Centro de Estudo de Novas Tendências Artísticas], Vila Velha de Ródão, apresentado sob forma de ‘maratona teatral ’, num único dia, em percurso pela Tapada da Tojeira. | Novembro de 2002
Desenvolvido em colaboração, com direcção de Joana Craveiro e Interpretação de Joana Craveiro e Tânia Guerreiro.

Lugar Nenhum – quatro dias de uma jornada para a utopia Lugar Nenhum está dividido em quatro partes, quatro pequenas peças (entre35 e 45 minutos cada),
subordinadas ao tema da Construção do Mundo. A  partir de um lugar branco e vazio, um não-lugar, duas mulheres reinventam o mundo de acordo com uma cartografia profundamente pessoal a partir das suas prioridades afectivas e emocionais. Por este espaço enorme e vazio desfilam personagens, inventam-se objectos, trocam-se diálogos e novas descobertas. Inventa-se um mundo de novos parâmetros, novas paragens. Cada parte da peça é um dia de construção nesta jornada, e para cada dia há um tema:

Dia 1 – A memória – como o nome indicada, fala-se de memória, ou da sua ausência. O que aconteceria se não nos lembrássemos dos nomes das coisas, ou se não soubéssemos a que as coisas correspondem. Duas crianças amnésicas falam desta invenção;
Personagens: ela1 e ela2.
Duas crianças reinventam as palavras e as memórias de outros, na ausência de memórias próprias. E se não soubéssemos o que é chocolate, e carro, e acidente, e casa, e céu azul, e tempestade, e morte? E se a excitação de aprender a morrer fosse a mesma de aprender a construir uma casa? E se a definição de ódio fosse “escuro e luminoso, a escorrer como chocolate pelos cantos da boca”? E se não soubéssemos nada do que sabemos hoje?
As duas crianças revisitam o mito fundador da criação, mas não há nada no jardim que as tente (nem sequer há jardim), e são duas criaturas do mesmo sexo, e não há punição para a sabedoria, mas também não há privilégios. Porque há o deserto só. E o conhecimento que possam adquirir uma com a outra não terá nenhuma aplicação prática naquela situação. Ainda assim, amam e odeiam e emocionam-se e são indiferentes, a tantas coisas, e a nada ao mesmo tempo.
Pouco conclusivo, se calhar. Mas elas não querem concluir nada. Nem saberiam o que quer dizer tal palavra.

Dia 2 – os Lugares – reinventar a geografia do mundo e cartografá-lo – uma cartografia emocional;
Personagens: senhora1, senhora2, Genoveva, Rosinha, Engenheiros, Música, Clave de Sol, Rapariga1, Rapariga2, Arquitecto, Cartógrafo do Rei, Corredor.
São chamadas muitas pessoas ao dia 2, para que cada um construa o mundo que acha necessário. Uma verdadeira cartografia emocional. A Genoveva e a Rosinha constroem a casa, delimitam-na nas divisões correspondentes. Os Engenheiros delimitam a paisagem de acordo com a sua “enorme obsessão por água”. O Arquitecto pensa em estruturas enormes, em auto-estradas que “hão de ligar tudo a todos a todo o lado”. O Cartógrafo “decalca linhas para um papel”, para que todos saibam onde estão. O corredor só queria chegar a tempo e acabou por chegar, mas era já tarde, e não soube parar.
Parábola do mundo moderno? Talvez – já perdemos tantas vezes o Norte. Mas quem é que o quer encontrar? Os instrumentos precisos de medição são uma ajuda preciosa nisto tudo de viver, mas nem por isso se torna essa actividade (viver) menos difícil, menos dolorosa, menos desorientada.
Este dia 2 é um apelo, um apelo a uma nova forma de orientação. De dentro para fora e não ao contrário – como no teatro.

Dia 3 – As Coisas – dois caixeiros-viajantes, de malas vazias, falam das coisas, do que se tem e do que nos falta, do que é realmente essencial num
mundo cada vez mais povoado de inutilidades;
Personagens: os caixeiros viajantes. Vender, trocar e ter. Coisas, muitas coisas. A solidão a tentar ser mitigada por uma acumulação de inutilidades.
Neste dia, tentamos definir o que é de facto importante, essencial. Talvez neste dia cheguemos à verdadeira cartografia da sobrevivência, ou da vivência sem o sobre, para não parecer que custa tanto. A pergunta base deste dia é: tem que custar assim tanto?
Ainda não temos resposta para qualquer das questões acima colocadas. Também não desistimos ainda de procurar.

Dia 4 – E o Mundo Aconteceu – a súmula do mundo construído – onde se desvendam segredos e se apontam caminhos para continuar em frente.
Primeiro fechámos a personagem no quarto (4º Dia, dentro do quarto). Depois decidimos trazê-la para o mundo. Depois, ainda, constatámos que ela já não tinha lugar nele. Imagem final de inspiração: a mulher narradora voga na sua mala, onde escondeu a casa, protegida pelo conforto dessa memória, em direcção a cima. “estamos de momento a dois mil pés de altitude e a vista é linda, furámos o tapete de nuvens e ficámos por cima, quase paradas, pena não termos trazido o casaco de lã que tricotei para o efeito, esqueci-me que além de escura a morte é fria, mas sei que depois há depois e ainda outra vez, e talvez na próxima acerte na bagagem”.

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