Walden

Residência Criativa e Apresentação no Lugar Comum na Fábrica da Pólvora de Barcarena | Setembro/Outubro de 2005
Estreia no Pavilhão 27 do Hospital Júlio de Matos  | Junho de 2006
Apresentação no Festival Sonda nas Caldas da Rainha e no Festival Escrita na Paisagem, em Colos, Odemira | Julho de 2006

Walden ou a Vida nos Bosques questiona acerca da dimensão essencial da existência humana. É uma obra premonitória em todas as questões que levanta acerca do materialismo, do capitalismo feroz, das consequências da revolução industrial, da desertificação espiritual e humana e da falência das ideologias. Por tudo isto, quisemos fazer um espectáculo a partir de Walden. Thoreau o homem que foi para os bosques viver deliberadamente. Estávamos em 1845. Walden – o livro sobre isso, escrito no conforto já da sua casa de cidade, quando a experiência à margem do lago Walden era já uma memória. Walden, o espectáculo-laboratório do Teatro do Vestido sobre tudo isto, à procura do que Walden pode ainda hoje ser para nós.

Fui para os bosques porque pretendia viver deliberadamente, defrontar-me apenas com os factos essenciais da vida, e ver se podia aprender com o que ela tinha a ensinar-me, e não descobrir à hora da morte que não tinha vivido.
Walden ou a Vida nos Bosques, Henry David Thoreau

Walden fase 1
de Junho a Outubro de 2005

Esta fase correspondeu à engenharia do projecto, através da realização de diversos estágios preparatórios nos arredores de Lisboa, culminando numa residência criativa desenvolvida ao longo de quatro semanas no Lugar Comum – Centro de Experimentação Artística na Fábrica da Pólvora de Barcarena (em Outubro de 2005).
Nos estágios iniciais, também quisemos andar pelos nossos bosques de hoje – recolhendo-nos às casas de quase-praia disponíveis para albergar a nossa escapada da cidade. Não erguemos a casa com as nossas mãos, mas tentámos aproximarnos da experiência Walden através do cansaço: andámos literalmente pela beira de uma estrada nacional onde quase ficámos estendidos de cansaço e falta de treino, limpámos um terreno das ervas daninhas, apanhámos e cozemos peras, plantámos feijões.
Por fim, apresentámos uns aos outros pequenos quadros que sintetizavam estas experiências.
Já em Barcarena, procurámos uma relação mais afectiva com Walden ou a Vida nos Bosques; procurámos lê-lo, apreendê-lo, isolar pequenos excertos que mais nos tocassem, exercitando paralelamente um discurso pessoal sobre a nossa experiência no
mundo contemporâneo, fazendo uso da acutilância do olhar de Thoreau. Falámos de cadeiras, de pessoas que nos marcaram, de objectos a que tínhamos apego, de alguns livros, de alguma tristeza e também de alguma esperança. Citávamos de cor passagens de Walden ou a Vida nos Bosques que nos estavam a marcar momento a momento. Estruturámos tudo isto numa improvisação que apresentámos em três sessões ao público, em Outubro de 2005.
Depois, fechámos o livro por alguns meses.

Walden fase 2
a partir de Abril de 2006

Em Março de 2006 encontrámos uma casa, ou chegámos a uma casa, ou pelo menos chamamos casa ao sítio onde estamos agora e que nos permite trabalhar dentro e fora, sem obrigações de palcos e plateias enormes. É um hospital psiquiátrico no centro de Lisboa. Tem árvores, hortas, estufas e uma cave com o chão em terra batida, onde
recomeçámos a instalar Walden.
Não podemos falar da construção final de Walden sem referir os espaços onde o instalámos, pois a descoberta dos espaços caminhou lado a lado com a escrita do texto e a exploração dos actores: dos espaços, das personagens, da sua relação com a obra, do desenvolvimento de uma vivência nos lugares que são por eles habitados ao longo do percurso.
Trouxemos para palco quatro actores com experiências, idades e nacionalidades diversas, e de certa forma tentámos implicar essa diversidade na construção do espectáculo.
Neste espectáculo-laboratório, cada actor interroga-se sobre como seria se fosse Thoreau. E constrói o seu percurso nessa descoberta.
É fascinante poder redescobrir os diferentes ‘Thoreaus’ no percurso criado por cada um dos actores; é fascinante constatar que não adaptámos Walden ou a Vida nos Bosques, mas que criámos, sim, toda uma experiência paralela, pessoal, a partir dessa ideia de um homem que se isola numa pequena cabana à margem de um lago, onde planta, entre outras coisas, feijões. Um homem que não gosta de companhia, que não
gosta de rotinas, que abomina os trilhos batidos. Um resistente à depredação do essencial da vida: viver.
Creio que na vida de cada uma de nós existem experiências como as de Walden, ainda que à nossa pequena escala. Conhecemos sem dúvida a vontade de ir para longe daqui, de irmos embora, de abandonar o supérfluo e regressar ao essencial. Creio que o essencial pode parecer diferente para cada pessoa mas que no fundo se resume a um mesmo sentimento comum a todas. E talvez por isso Walden ou a Vida nos Bosques faça tanto sentido ainda hoje para tantas pessoas.
Neste espectáculo quisemos falar sobre um certo sentimento de solidão, de orfandade, de aprisionamento. Quisemos falar de tudo isso para desejar o contrário. Quisemos sobretudo transformar Walden num manifesto de esperança lúcida, consciente, inabalável. Quisemos despojar-nos. Por vezes não quisemos que Walden fosse exactamente teatro. E convidamos o público a fazer esta viagem não como público, mas como indivíduos implicados na vida.

“Com a minha experiência aprendi pelo menos isto: se uma pessoa avançar confiantemente na direcção dos seus sonhos, se se esforçar por viver a vida que imaginou, há-de deparar com um êxito inesperado nas horas rotineiras. (…) À medida que ela simplificar a sua vida, as leis do universo hão-de parecer-lhe menos complexas, a solidão deixará de ser solidão, a pobreza deixará de ser pobreza, a fraqueza deixará de ser fraqueza. Se construístes castelos no ar, não terá sido em vão esse vosso trabalho; porque eles estão onde deviam estar. Agora, por baixo, colocai os alicerces.”
Henry David Thoreau, Walden ou a Vida nos Bosques

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