Dia #1

Por Joana Craveiro

No dia 25 de Abril de 2008 acordei doente pela primeira vez em quatro anos. Acordei com vontade de não sair dali, da cama grande. Na mensagem enviada 3 dias antes, ela tinha dito:

“Mantém o telefone ligado
O tio está mal.”

Agora eu tinha acordado da viagem do dia anterior, do mal que ele estava, da memória de uma infância que não foi a minha.

Estávamos dispostas assim. Tu aí, eu aqui, ela ali, ele ao centro e cadeiras à volta. Havia frio e alguém foi buscar uma bilha de gás. Alguém rezava o terço baixinho. Sabes quantas coisas não te disse?
Pensei que podíamos jogar um jogo, Elizabete.
Elizabete?
Sim?
Onde estás?
Aqui.
Ouviste o que eu disse?
Acho que fica mal jogar agora.
Ela disse: nem penses falar disto numa peça de teatro.
Matas-me?
Mato-te.

A Ana morreu a uma quarta-feira. Estávamos todos lá.
A Ana disse que se tivéssemos tempo devíamos ir visitá-la. Mas nós estamos sem tempo agora.
Talvez em breve.


Margaret Atwood escreveu:

“Esta é uma fotografia minha
Foi tirada há algum tempo atrás.
A princípio parece ser
uma impressão
manchada: linhas desfocadas e flocos cinzentos
misturados com o papel;

e então, à medida que a observas
vês, no canto superior esquerdo
uma coisa que é como um ramo: parte de uma árvore
(bálsamo ou abeto) emergindo
e, à direita, a meio,
o que deveria ser um declive
suave, uma pequena estrutura de uma casa.
Atrás há um lago,
E por detrás disso, alguns montes baixos.

(A fotografia foi tirada
no dia a seguir a eu me ter afogado

Estou no lago, no centro
da fotografia, mesmo abaixo da superfície.

É difícil dizer onde
precisamente, ou dizer
quão grande ou pequena eu sou:
o efeito da água
na luz é uma distorção

mas se olhares o tempo suficiente
eventualmente
conseguirás ver-me.)” (1966)
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Por Gonçalo Alegria

Inspirações, materiais visionados

Brothers Quay. Excerto do Institute Benjamenta.

Meredith Monk. Excerto do Book of Days, (the Churchyard Entertainment.)